terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Entrevista feita em 17/11/2015 com os integrantes do grupo ATA, do diretor Hugo Rodas.

Entrevistados - Túlio Starling, Diana Poranga, Vitor Abrão e Flávio Café.
Entrevistadores - Cláudia Moreira e Maria Lúcia Rosa


Qual a formação de cada um de vocês?
Café - Na real, assim, a minha formação é o Hugo. Porque eu entrei no Departamento, fique um  semestre e meio lá e aí encontrei o Hugo e tô com ele até hoje, fazem seis anos.

E o seu instrumento que você toca você aprendeu sozinho?
Café- É eu fiz umas aulas no início né, foram tipo assim, uns quatro meses de aula, e depois foi sozinho. E foi por causa do Hugo.

E você Diana?
Diana - Eu fiz licenciatura em Artes Cênicas, eu peguei o Hugo na faculdade, um semestre, OBAC II, eu já faço teatro desde nova, criança, e aí a história do instrumento eu sô a vagabunda do grupo, não sô vagabunda, eu toco menos que todo mundo, não gosto de tocar, mas a história do Hugo foi assim, "amanha! um instrumento!" não foi tipo uma escolha, e eu "whaaaaat!" ai segunda-feira eu...cada um foi se especializando melhor que eu.

E você Túlio?
Túlio - Eu faço teatro desde moleque e aí a partir dos 15 anos eu já comecei a trabalhar com uma série de diretores aqui em Brasília, e já acumulei uma série de experiências com teatro, diferentes estéticas, diferentes métodos de trabalho e tal, aí com 19 anos eu entrei na UnB, fiz o curso de bacharelado, me formei no meio de 2014 e no meio do curso da UnB, mais ou menos eu começei a fazer essa disciplina que todo mundo fez, eu nem comecei no inicio da disciplina, eu entrei no meio da disciplina, com o Hugo né, e realmente foi um divisor de aguas, em relação a técnica, filosofia do ator, enfim, uma série de coisas, e aí me formei, e tô aí, com o grupo e com outros trabalhos paralelos, exercitando essa coisa do ator né, dentro do teatro e do cinema também.
Vitor - Comecei a fazer teatro com 15 anos, comecei mais no humor, assim, depois que eu fui descobrindo outras linhas.

Ah é, você fazia besterol?
Vitor - Não, não, eu fiz a oficina do Abaête e lá dentro eu sempre pendi mais pras esses papéis, até um certo ponto, até 2007, aí depois eu comecei a fazer outras coisas, eu fiz Sapatas Sonhados, com o Oops, Foi até um susto assim, porque eu tava no primeiro semestre da UnB. Foi o primeiro espetáculo profissional que eu participei, só tinha gente formada e eu, foi muito estranho, assim...

E o instrumento com você também foi assim?
Vitor - Não, violão eu tenho contato desde os 9 anos de idade, cheguei a estudar um pouquinho de chorinho, de clássico, aí com 12 anos de idade eu dei uma enjoada, dei uma bloqueada assim, até os 15, 16, aí voltei a fazer aula, parei, tive uma banda durante 5 anos, até os 20 anos, de rock com MPB, era uma coisa muito loca, a gente tocava de kimono japonês, aí quando eu entrei na UnB eu encontrei o Hugo, fiz OBAC, fiz Interpretação III com ele, ai eu fiz esse TEAC ai, esse primeiro TEAC com a galera, comecei fiz um ano e fui pra Portugal, estudar lá com O Bando, aí quando eu voltei eu fiquei meio namorando o ATA assim...
Diana - Namorando! Velho tudo que a gente fazia ele aparecia, do nada assim, "oi gente, trouxe um melão!"
Vitor - E eu lembro que eu tava lá na Europa dando um rolé, conheci a galera da da Pina Bausch, fui pra Berlim ver o Teatro do Brecht, e eu ficava com o Hugo na cabeça assim, e eu "caraca, véio", eu vi tudo aquilo aí uma madrugada eu acordei, "foda-se, vou voltar pro Brasil, um dia eu quero voltar a trabalhar com o Hugo" em dois dias eu tava de volta aqui, larguei tudo lá, a faculdade, ai voltei, fiquei uns 2 anos, e entrei no ATA em 2014, quando eu saí daqui ainda era o TEAC. Me formei em bacharelado na UnB em 2013.
Túlio - Eu sempre tive facilidade com percussão, né, com 16 anos eu aprendi a tocar pandeiro, e cheguei com esse instrumento, assim, mais dominado, mas tudo que é de bater, de marcar ritmo eu tenho uma facilidade, em Punaré e Baraúna a gente comprou a zabumba, aí eu peguei uma certa intimidade com ela , assim, e agora, tem pouco mais de 1 mês, eu comecei a estudar o saxofone.

E vocês trabalham com outros grupos ou só aqui?
Túlio - Não, cada um tem suas coisas.
Vítor - Agora eu to fazendo outra peça "Medéia", mas o trabalho principal pra mim é aqui.

E eu queria saber um pouquinho assim, o que vocês vem de diferente na direção do Hugo em comparação com outros trabalhos que vocês fazem? Qual o diferencial que vocês vem no Hugo Rodas?
Diana - Ele exige o melhor. Assim, eu falei bruscamente, mas ele exige o melhor. Não tem ensaio, não tem assim "ah a gente tá ensaiando, ah a gente tá testando..." Não! é o melhor, agora! sempre! é um padrão assim, de ta sempre com o dedo no cú, não dedo no cú, assim, mas exige essa força motriz de ser o melhor, de você viver o aqui agora, não quando você for apresentar.
Tulio - É, tem isso com certeza, concordo com a Diana, mas a coisa fundamental, é que o Hugo te orienta a ter fundamentos técnicos muito bem definidos, então por isso que, pra trabalhar com ele, você precisa, seja com algum tempo mais calmo, seja na marra, entender a linguistica dele, a questão de como é que ele pensa. É o ator no espaço, você entende? E isso é muito complexo. Você precisa ter isso bem definido, muito bem fundamentado, com relação ao seu corpo, aos grupos musculares, mas também não tem muito a onda assim, é racionalizante, não, tem, só que nunca se limitando a racionalização. Então, a gente, pelo fato de ter malhado muito, seja nessa primeira disciplina, nem era um TEAC, era um projeto de extensão, onde o Hugo deu dois anos de treinamento, e as pessoas foram pegando essa linguistica dele, você entende? E depois na montagem do "Ensaio Geral", nosso primeiro espetáculo, onde a gente apanhou muito, assim, era bem rígido, assim, muito bem disciplinado, assim, sabe? Então a gente consegue, assim, já ter uma certa coesão.

Conseguir entender mais rápido o que ele tá querendo?
Túlio - Ainda assim batendo cabeça todos os dias. Porque ele também não deixa a gente assim estagnar, nunca, nem ele mesmo, então é sempre um movimento meio caótico que tá nos levando ao renovar-se e ao aprimorar-se.
Café - Pra mim, fora isso que vocês falaram, uma coisa que eu acho essencial, super diferente de como o Hugo trabalha,  é que, não sei como exatamente, acho que os anos de experiência mesmo, mas ele vê muito claro quando que você é livre e quando que você não é livre, e o objetivo é ser livre.

Como que você é livre em que sentido?
Café- No sentido de que a gente trabalha com máscaras, né?

Sim, quando você ta sendo verdadeiro em cena, é isso?
Café - Também, tem a ver, mas quando eu digo ser livre, tem uma coisa assim de..., porque o ator faz uso das suas máscaras, né, assim, é até meio dificil de racionalizar isso, mas enquanto ser humano a gente tambem tem nossas coisas do cotidiano que interferem nesse trabalho, porque são a mesma matriz as duas coisas,então vamos pegar um exemplo claro, toda vez que o Vitor vai começar uma diagonal ele faz o mesmo movimento, é a memória, eu acho que isso é uma coisa bem importante, assim, porque eu não tive tantas experiências externas, mas eu não encontrei ninguém que fizesse isso com tanta primazia quanto o Hugo, porque o objetivo do nosso desenvolvimento é  conseguir se libertar de nós mesmos. Isso é essencial para você ser coletivo, né?
Túlio - Ele é muito sintonizado com realmente esse princípio político do artista, que é ser plenamente, né? Pra poder estar e fazer acontecer a coisa, a magia, né? Mas isso parece um papinho meio assim, mas não é  não, ele é muito comprometido com isso, e aí ele tem um puta de um conhecimento que vem da dança que mostra de várias maneiras, que leva a gente aos lugares, tanto mostra onde que a gente se aprisiona e muitas vezes esse processo é doloroso, quanto consegue também, no momento em que a gente tá disponível, mostrar pra gente quanta coisa tem, quantas possibilidades tem, e em relação a outros diretores, é realmente muito difícil, eu já trabalhei com alguns, assim, tanto em teatro quanto em cinema. É muito difícil o cara que entra na cena com você e que junto com você descobre, claro, ele tá de fora te falando como que é a forma.

Porque eu acho que o Hugo como é ator também, ele consegue ver esse outro lado, né?
Túlio - Mas eu conheço outros que são atores. Isso tem muito a ver, mas ele tem um fundamento, você entende? Ele vê uma coisa que não tá dando certo na estrutura da cena, seja individual, seja coletiva, do ator enquanto corpo, e ele sabe que aquilo tá errado e ele vai saber te falar de n maneiras a maneira mais adequada no sentido da busca da libertação. Então, assim, é um cara que ele é visceral nesse sentido, porque ele vê por dentro, e ao mesmo tempo, no processo de direção é um cara que é hiper formal, o principal que eu acho, esse paradigma que é quebrado quando você começa a tentar entender o trabalho técnico,o fundamento técnico, essa linguística que eu falei, é que normalmente a gente tem o raciocínio meio, "e se eu fosse um Hamlet, como eu farei?" que é meio Stanislaviski, né? ele vai de fora pra dentro, e a gente fala "mas como é que eu vou fazer isso com verdade?". ´´E o corpo que te leva pra uma realidade muscular. E ao mesmo tempo é um cara visceral, então tem essa contradição que na verdade é a totalidade dele.
Diana - Só mais uma coisa que eu vejo de diferença do Hugo e outras pessoas é porque o Hugo ele trabalha não só como diretor, mas como um mestre, ou seja , não é só durante o ensaio, ele te encontra e a sua postura esta ruim, ele vai ajeitar a sua postura, e ele te conhece de uma forma que ele te desnuda muito. A gente fala disso, que o Hugo é um mago, ele fala uma coisa e a gente "alguém falou pra ele isso?" Não! E ele sabe, e ele capta, e ele fala coisas que, você sabe, são coisa suas, mas ninguém nunca falou, nunca teve coragem de falar, ele tem isso do extra-trabalho,tudo é trabalho, não existe essa dissociação do trabalho e da vida, porque na verdade a vida dele é trabalho.
Vítor - e ao mesmo tempo o que o Café falou, as coisas da nossa vida interferem no trabalho,então eu acho genial que ele une essas duas coisas, assim. Ultimamente, pra mim, eu tenho visto meio que uma coisa da via negativa do Grotowski, de limpando, limpando, limpando, e partir daí eu tô num dia que eu não descobri, aí no outro dia eu descubro um pouquinho, e no outro dia eu descubro mais um pouquinho,  e ele vai levando a quebrar esses padrões. Ontem eu tava conversando com a Lorena lá do Departamento, é que eu fiz o curso, li Grotowski, li várias coisas e quando eu voltei pro ATA eu comecei a entender, tipo, "ah, é isso que Grotowski tava falando!" porque tipo eu lia e era um bando de conceito abstrato e quando você vê na prática é muito trabalho, na verdade, não é uma coisa que você leu e entendeu. Não adianta, não forma um ator ler um livro do Grotowski, e pra mim tem sido maravilhoso, ultimamente, assim, esse trabalho que ele ta sempre batendo pra eu me libertar e eu to achando muito bom, assim, pra minha vida, pra tudo.

Outra coisa que a gente queria saber é como que vocês acham que é o perfil dos atores que trabalham com o Hugo? Pelo que entendi no inicio era uma galera e depois ficaram vocês, ele escolheu vocês? ou simplesmente quem ficou, ficou. Vocês acham que tem algo em comum entre vocês que faz a ATA?
Café- O que faz mais a ATA é que a gente quer trabalhar com o Hugo.
Diana - Perseverança, garra.
Túlio - o perfil do ator do Hugo é  quem quer trabalhar com o Hugo, perfil nem é a melhor palavra. 
Café - e isso implica em estar disposto a fazer tudo isso que a gente falou agora, você não pode querer trabalhar com ele e ao mesmo tempo manter seus vícios da sua vida que com outros diretores você poderia, porque tem outro viés, mas com o Hugo isso não é uma possibilidade. Você pode até fazer isso mas é um sofrimento eterno.
Túlio - Eu acho que todo processo criativo vai transformar a pessoa de alguma maneira, né? a gente não conhece todos os professores, diretores, não dá pra saber, mas o que a gente sabe é que o Hugo é um cara que realmente mexe fundo.

Mas ele quer que todos toquem ou cantem? Ele vai pedindo, ele vai pedir cada vez mais, não é isso?
Café - Esse do cantar e dançar é uma questão do aprofundamento do ofício? Como você pode enriquecer sua profissão? Pô, cantar tá próxima, tocar um instrumento tá próximo, dançar tá próximo, então vai ampliando, entendeu? Ou faz umas coisas de circo, como a gente faz nessa peça, quanto mais melhor.
Túlio - Tem uma coisa que só quem já estreou uma peça do Hugo sabe, porque o processo é sempre muito caótico, sofrido, ele muda muito, então quem não é muito acostumado com ele acaba não entendo muito, mas como o negócio fica pronto, encenado, e a energia do pessoal, acontece antes disso, mesmo sem luz, sem cenário, quando o grupo ta coeso, mas quando tudo tá pronto, a energia do pessoal e o negócio acontece, você fala "caralho!" eu acho que é o momento mais pleno, "puta que o pariu, esse bicho é um mago, mesmo, da linguagem teatral" , ele domina tudo, se vocês tiveram a oportunidade de acompanhar a gente, por exemplo, agora, no garagem, dia 28, ele entre no teatro, ele domina tudo, ele sabe de tudo, é claro que as vezes a gente pode auxiliar numa coisa prática, assim, vamos fazer isso primeiro ou depois, mas, assim, ele sabe de tudo, e é no detalhe, na sutileza, você vê, essa peça aqui a gente já passou muitas vezes, já apresentou e tal, e ele vai mudando coisinhas que se o pessoal não fica atento, a direção dele não acontece, mas se lembra da sutileza das coisas que ele ta pedindo, a coisa vai se transformando de uma tal maneira, que a coisa ganha uma força, e aí o ator que tá la dentro vê a força daquilo e fala "caralho, eu vou fazer tudo o que esse cara me pedir pra sempre!" então isso de tocar, de cantar, de dançar, é porque a gente de alguma forma acaba se apaixonando por ele, a gente acaba falando "caralho, bicho, é isso! eu vou... eu tenho que dar um jeito de tocar alguma coisa, eu tenho que dar um jeito de me superar" porque eu quero ir junto com o que esse cara ta pedindo, porque eu quero fazer parte dessa coisa. Qualquer pessoa que trabalhou com o Hugo com alguma plenitude, é essa gana, essa coisa de huuu! é essa urgência, tipo "meu irmão! bora fazer essa parada". Isso, se você observar nas pessoas que mantém, mesmo longe dele, algum tipo de comprometimento com o ofício do ator, você vê isso em Brasília de uma certa forma, porque ele acabou formando quase todo mundo, ele é realmente um alicerce do teatro de Brasília, então você pode em algum momento ver isso, lampejos disso em muita gente, e outras coisas, algumas marcas estéticas, formas de resolver a cena e tal, mas essa sanha, essa gana, é o lugar comum, o melhor em todos os sentidos no trabalho dele.
Vítor - complementado o que o Tulio falou, ele chega junto com a primeira pessoa no teatro, geralmente oito e meia da manhã ele tá lá, junto com todo mundo, desde como coloca a lona, como desdobra a lona, como é que bota um durex, ele vai te ensinando coisas, em todos os campos, como é que dá um nó, aí fica treinando com você o nó, até você aprender, aí ele briga se você não aprender, então realmente é muito global, assim.

Vocês acham que o Hugo precisa de um grupo?
Vitor - Sim, até esses dias a gente tava almoçando lá em casa e ele falou "é difícil ter alguém nessa cidade que eu não seja íntimo". 

Vamos falar um pouco da ATA, o que o grupo quer falar? e qual o perfil do público que querem atingir?
Túlio - A ATA  é uma orquestra de atores que conta histórias.

Porque vocês se definem assim?
Túlio - Porque a única definição que a ATA pode ter é isso.

Mas a orquestra vem por conta da música estar muito presente?
Túlio - porque a musicalidade é o teatro do Hugo, não existe teatro do Hugo sem musicalidade, não existe teatro sem musicalidade, mas ele  trata o teatro desde a musicalidade, também, no sentido mais vibracional da questão, entendeu? e aí é claro que a gente dá uma floreada falando orquestra, no fundo é uma grande piada, porque orquestra é a sinfônica, tanto que tem gente que toca instrumento bem pra caralho. É mais no sentido da fanfarra, de pessoas que são conjunto, que podem tudo, porque elas estão juntas e tocam, vibram, é isso, por isso é uma orquestra, mas é uma piada, no fundo é uma brincadeira. 

Mas não tem uma coisa que vocês queiram falar mais que outra?
Vitor - essa pergunta eu acho que ela não tem muita resposta porque a gente está sempre em processo, ta sempre discutindo, ai a gente discute entre a gente, aí vai falar com o Hugo, aí ele destrói tudo, e você vê que ele tá certo, e aí tem esse caos, eu sinto como uma panela fervente, criativa, num dia você pensa uma coisa, no outro dia você descorda, ai você lê um texto, ai você fala com ele.
Diana - Agora tem uma questão, a ATA tem uma questão de fundamento que é importante ser dita, a gente não se conhecia direito quando a gente se juntou, a gente não era amigo, levou um tempo pra gente virar amigo, assim, algumas pessoas eram amigas entre si, mas eu sempre conto a história do sol central, todo mundo se juntou, a gente se juntou porque o Hugo é o sol central e nós somos os planetas em volta do Hugo, onde a gente orbita, não que a ATA não existirá sem o Hugo, isso é uma coisa que a gente não fica pensando muito, não é um pensamento, mas existe essa órbita que é o sol central e os planetas em volta. Então o Hugo dá muita liberdade "o que vocês querem falar?" mas existe muito uma codependência da gente desse sol central.

Vocês acham que vocês tem liberdade de tomar decisões dentro do processo ou ele acaba sempre dando a palavra final?
Túlio - Não, ele centraliza, ele é o diretor do grupo, mas a nossa liberdade acontece no dialogo com ele, porque isso só quem é ator com alguma maturidade do Hugo entende, quando ele tá te dirigindo pedindo coisas ele não sabe onde ele quer chegar, ele tá indo junto com você pro desconhecido, então você quer coisa mais livre do que isso? Um mestre que conhece tudo junto com você te apoiando pra chegar em algum lugar que ele mesmo não sabe qual é? Essa é a liberdade do ator do Hugo. 
Café - Porque eu acho que existe uma confusão geral da sociedade com o que é liberdade, entendeu? Eu sinto que as vezes a pessoa acha que se ela pode falar o que ela acha que é ela tá sendo livre. E, não sei, assim, eu, na minha vida falo várias coisas que depois eu fico pensando "caramba, mas eu falei isso porque eu acredito nisso mesmo ou porque...mesmo que eu acredite nisso essa crença pode ser uma prisão, entendeu? Quer dizer, é muito difícil você dizer exatamente, né, isso que você falou Túlio, é perfeito, quer dizer, você não sabe onde você ta indo, então, necessariamente, você tá indo para um lugar livre, livre do seu passado. Mas quem diz tá bom é ele.
Túlio - E nesse ponto que vocês tão querendo é a grande crítica que ele tem a democracia, por exemplo, é um pouco o que o Café tá falando, quem disse que democracia é liberdade? Quem disse que chegar lá no facebook  naquele espaço aberto, "o que você esta pensando hoje?" e você pode dizer o que quiser, quem disse que isso é liberdade de expressão? Quem disse? Então quando vocês forem entrevistar ele peçam pra ele falar sobre democracia. Porque é onde vocês vão encontrar a resolução, ou pelo menos o ponto de expansão desse ponto aí que vocês estão levantando. 
Vitor - essa coisa da troca, nisso ai eu sinto uma abertura, ele fala, traz o texto do Pai do Punaré, aí nesse momento, eu vou pra casa e falo, caraca, o que que eu quero falar politicamente no sertão, ele não tá lá comigo, entendeu? pra me cortar, e ele vai apoiar se tiver massa, o que que eu quero falar como esse pai,o que que esse pai tem pra dizer, o que que eu, como ator, acha que esse pai tem pra dizer nessa peça,  politicamente, no sertão, não sei o que, não sei o que, ai eu venho e trago, ai ele vai apoiar isso que você trouxe e vai falar "porra, não, isso aqui tá demais, não sei o que, não sei o que" aí tem essa troca, e é nessa troca que se dá a nossa fricção criativa, democrática.
Túlio - essa troca acontece muito mais, claro que tudo que você traz é ótimo, mas não adianta você trazer, você argumentar, isso é uma palavra importante quando você começa a estudar com ele, não adianta argumentar muito e você não ser. Não adiante você ter um tanto de pensamento,um tanto de proposta, se você não tá sentindo, vibrando com aquilo que você tá dizendo, não adianta porra nenhuma, ele vai falar...
Diana - Tipo assim, ele não vai nem escutar, é porque assim, primeiro você tem que mostrar, primeiro você mostra, não pode falar "ah, porque eu tive uma ideia aqui..., sei lá, a gente podia entrar todo mundo junto..." não! você mostra, mesmo que você vai falar "ó, aqui tem um carro.", primeiro você faz, e primeiro você faz com o melhor, é aquilo que eu te falei no início, excelência, porque ele vai começar a falar "olha, a sua perna tá uma merda!" , ele não vai falar "olha! que ideia incrível!"
Túlio - Isso não é porque ele quer ser assim, é que simplesmente ele não consegue acreditar...se você não faz ele entrar na viagem ele não vai entrar, ele vai ficar olhando pra sua perna.

Não há espaço para um de vocês experimentar dirigir algo? Vocês são mais atores mesmo, ou tem essa necessidade de querer experimentar uma direção dentro do grupo?
Café - Não, eu acho que isso é um pouco difícil da gente falar exatamente, saber exatamente enquanto coletivo, porque na real, a gente é muito novo enquanto grupo, a gente tem dois espetáculos...

É porque a impressão que se tem é que vocês estão ha muito tempo juntos?
Túlio - é porque tem grupo aí que fala que é grupo e não se encontra semanalmente, eles tem lá site, logomarca, todo mundo fala deles, sabe quem eles são, não to querendo dar uma de chato, mas a real é essa, tipo assim, é difícil você ter um grupo, pra nós é difícil, as vezes a gente enche o saco, mas é isso, o Hugo não acredita num grupo que não trabalha semanalmente, a gente se encontra pelo menos três vezes, e já foi cinco, e ele pressiona "são muito burgueses!"

Vocês vivem do teatro?
Túlio - ai é que tá o problema.
Diana - aí é que tá o problema, a pressão.
Túlio - a gente tem projetos, mas não é toda hora, cada um se vira, cada um dá seus pulinhos, entendeu? mas cansa...

Mas vocês tem um trabalho fora, de todo dia, de marcar ponto?
Diana - não, essa  é a questão...
Túlio - a Diana, por exemplo, tava na fila de espera para um concurso aí, e é um conflito, porque ela vai começar a bater ponto, de oito as seis, e aí de alguma forma ela vai impor um ritmo pra gente, da gente ter que trabalhar de noite, que não é o ritmo que todos os outros adotaram, ai a gente fala "porra, Diana, que palha" e ela também fala "porra! mas eu preciso ir..." 
Vitor - e tem sempre esse conflito, agora, quinta-feira eu não vou vir ensaiar, porque eu vou fazer um FAC lá no Gama, da Medeia, aí eu fui falar com o Hugo, "Pô, Hugo, quinta-feira..." aí ele, "mas que  merda! tem que ensaiar..." quando é que o grupo vai ser prioridade? E, isso é muito chato...
Túlio - E ao mesmo tempo ele também vai...porque com o tempo ele vai vendo que a gente tá junto, e tá penando, enfim, é um equilíbrio precário, todas essas coisas, a questão dos horários, seja de como tá a dinâmica dele com a gente, mas é um equilibrio precário, cada hora a gente entra numa discussão, ai entra num equilíbrio, ai depois desata.

Mas o grupo só existe por causa dele?
Café - Aí se vocês tivessem na terça-feira da semana retrasada, vocês iam ver o momento de transição em que eu, pelo menos, cheguei a acreditar que existe um grupo sem ele.
Túlio - mas é uma questão a ser pensada....

Será que o público vai lá ver o Hugo ou o grupo?
Diana - Não, eles vão lá ver o Hugo, eles agora estão começando a ir ver a ATA, mas assim como você esta vindo assistir o treinamento do Hugo, eu ainda vejo as pessoas...a não ser os nossos familiares, amigos, que vem ver a gente, mas o público de Brasília ainda vai ver o Hugo.e agora tá indo ver amacaca, mas eu acho que é paralelo.
Túlio - mas eu acho besteira a gente querer definir uma coisa que a gente não sabe. É óbvio que a pessoa vê, direção Hugo Rodas, que é um dos caras mais importantes do teatro de Brasília, isso é um chamariz, lógico, óbvio, isso não tem discussão. Agora ao mesmo tempo, é isso, uma pessoa vê "Ensaio Geral" aí vê de novo, porque gosta do "Ensaio Geral".

Porque esse trabalho de agora tinha um texto de base, um romance, mas "Ensaio Geral" vocês criaram tudo? Foi uma dramaturgia coletiva? Como é que é? Ele chega aqui e começa a surgir ideias, e vocês começam a criar um texto? 
Café - não tem forma isso
Diana - não tem forma.
Café - cada trabalho é um trabalho, por exemplo no "Ensaio Geral"...e também, não é só um trabalho, aquele específico, como é a situação que todo mundo tá, por exemplo, no "Ensaio Geral", pelo menos historicamente, eu lembro que a gente tava num processo de treinar, treinar, treinar, né?  dois anos, um tempão, não lembro de cabeça, a ideia era treinar atores para o mercado de trabalho, não tinha nada a ver com formar um grupo, e o projeto de extensão era isso, formar pro mercado de trabalho, não era nem formar pro Hugo, entendeu, só que assim, inevitavelmente a gente se apaixona pelo cara e em algum momento a gente falou  "galera, já que nós estamos aí, toda hora juntos, vamos fazer um coletivo", né, ser alguma coisa, que não seja só indivíduos, né, e o "Ensaio Geral" eu sinto ele um pouco filho dessa decisão, tipo assim, "ah, massa, então vamos fazer um espetáculo?", que espetáculo é esse? entendeu, claro que aí, como se deu, aí, cada trabalho é um trabalho, eu lembro do dia em que o Hugo chegou e falou assim "vocês querem falar do que?".
Então ele não tem sempre uma forma de iniciar?
Túlio - nãoooo! ixi, não tem forma de nada....

Não tem algum teórico do teatro que  a gente pode falar, olha ele se baseia nesse cara aqui?
Café - ah, eu sei, ó, um que ele sempre fala, que ele sempre diz "eu sô super Artaud!" e "super Grotowski", mas ele é o tipo de cara que tipo assim, ele lê tudo, ele estudou tudo, e ele faz o dele.
Túlio - e ele também manda a merda tudo o que ele leu...sei lá, tipo assim, eu acho que na verdade não tem, como vocês tão tentando fazer e também como a gente tá tentando fazer, tentar achar alguma lógica, alguma possibilidade da teorização do Hugo, principalmente nesse processo da construção de uma linguagem, bom, você vai pegar esses grandes caras do teatro mundial, lógico que tem muito deles aqui, mas você nunca vai poder enquadrar o Hugo em nada, é essa a questão. Outra coisa que eu queria colocar aqui é, uma coisa é uma orquestra de atores que conta histórias, mas o conta histórias também é hiper relativo, porque a gente não necessariamente se prende a narrativa. Nesse espetáculo, sim, em "Ensaio Geral", não, então lá no www.com.amacaca.com.br, tem lá agrupação teatral amacaca, o primeiro parágrafo tá bem bonitinho escrito esse conceito básico do grupo, onde tem as palavrinhas lá bonitinhas que a gente consegue relativizar a questão da narrativa e da performatividade, e tal, isso é uma coisa, outra coisa é a questão da liberdade de criação, ultimamente, quando vocês começaram a vir, o Hugo tava pedindo o nosso trabalho de criadores, então a Diana falou "ah, imagina que tem um caminhão ali..." há anos atrás, isso não era possível, tipo assim, "ah, Hugo, eu vou fazer uma cena, então imagina que vai passar um caminhão ali..." ele quer saber se você vai dar conta, se seu corpo vai estar ali, presente, verdadeiro, no espaço, com a confiança que com esses anos a gente conquistou, acho que foi uma das primeiras vezes em que ele pegou e falou "eu quero saber o que você me propõe enquanto criador, enquanto encenador" então aí vale dizer, vai ter  um caminhão, se eu não trouxer o caminhão, ai eu posso trazer um espelho e tal, e por mais que não seja o ideal, porque esta só se experimentando. Enquanto encenador, se eu precisar de outras coisas além de mim em cena, nesse momento ele começou a abrir essa possibilidade pra gente, Porque? eu acho...porque a gente começa a ter um pouco mais de intimidade e confiança entre si, onde ele começa a confiar um pouco que embora a gente ainda bata a cabeça, a questão do ator em dialogo com o corpo no espaço ja tá um pouco mais compreendida, e aí a gente pode começar a avançar nessa questão do pensamento da linguagem cênica e o ator no meio, claro, você entende? é um ponto assim na trajetória do grupo importante de entender.

Antes de vocês voltarem a ensaiar o Punaré, qual a maior dificuldade que vocês estavam enfrentando?
Café - Tava muito difícil, mas eu acho que aí, é um pouco complicado de colocar assim, nesse momento, por exemplo, pelo menos eu senti um pouco dessa forma, assim, porque a gente já ta num processo ha muito tempo juntos. Fizemos um espetáculo, que assim, foi massa mas deu uma trabalheira, nossa, impressionante, Punaré e Baraúna, assim, foi muito cansativo, foi estimulante, mas muito cansativo, entendeu? então assim, a gente já tava assim, cansado, aí, foi o momento. Ao mesmo tempo, quando começou a engatar, a gente teve que parar.
Túlio - Pra mim, eu gostei, tava difícil pra mim, assim...

A impressão que a gente tinha que sempre alguem tomava a frente dos outros, era como se ele estivesse passando o dever de casa e vocês não estavam trazendo as lições, era a impressão que a gente tinha.
Túlio - sim, é isso, é complicado, é muita coisa em jogo, cansaço do convívio, a questão afetiva.
Café - se fosse só bater ponto a gente ganharia ai uma grana. mas não é.
Túlio - a questão do afeto, sabe, é muito utopia, assim, tudo isso que a gente ja falou, desse princípio político do ator, ... é difícil, quando tem um objetivo, vamos ensaiar Punaré e Baraúna, que é uma peça que a gente já conhece, para apresentar dia 28,  porra! os ensaios estão sendo maravilhosos. 

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