terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Eixo Temático 1 - IMPROVISAÇÃO NO PROCESSO CRIATIVO DE HUGO RODAS

EIXO TEMÁTICO – IMPROVISAÇÃO NO PROCESSO CRIATIVO DE HUGO RODAS



       Durante o acompanhamento dos ensaios do grupo dirigido por Hugo Rodas – ATA (Agrupação Teatral Amacaca)- podemos observar que os improvisos são recorrentes e fazem parte essencial do processo criativo.
Geralmente se iniciam com um comando para que os atores, baseados em um tema sugerido por Hugo, iniciem uma sequência de ações físicas quase sempre acompanhadas por uma música, também executada de improviso pelos atores.
       Trata-se de selecionar e integrar novas possibilidades surgidas pela exploração dos atores, cujas potencialidades sugestionam o diretor, que as percebendo solicita ao ator a tarefa de evidenciá-las.
         Essa disponibilidade em deixar vir a ser o processo criativo a partir de seus caminhos e possibilidades, inerente ao seu modo de dirigir, resulta na ampliação da capacidade operativa do ator, que há que se manter em estado de responder criativamente aos comandos da direção no ato do desempenho em vez de fixar-se a um padrão inicial muitas vezes “infantil”, como Hugo mesmo define, ou caricato.
         Isso porque como diretor exigente que é, normalmente não se contenta com o primeiro esboço cênico que o ator produz, para ele tudo o que se faz em cena precisa ser orgânico.
         A palavra “organicidade” é muito utilizada por Hugo nos comentários dos improvisos realizados pelos atores. Para Stanislavski, organicidade significa portar-se como as leis da natureza. Isso não quer dizer imitar a natureza, mas fazer uma ponte entre o concreto/real e o imaginário através daquilo que me é particular/ natural e da ferramenta que ele criou denominada de “SE mágico”.
           Já para Grotowski, organicidade indica "[...] algo como uma potencialidade, uma corrente de impulsos, uma quase biológica corrente, que vem de dentro e vai em busca de cumprir uma precisa ação.” (1992, p. 93).
          O diretor Hugo Rodas entende que a organicidade é estarem trabalhando juntos corpo e palavra, tudo deve estar integrado a fim de que não haja uma separação entre a oralidade e a ação, uma vez que tal cisão acaba produzindo soluções dissociadas daquilo que se pretende dizer.
          Tendo em vista que Hugo Rodas teve uma rica formação cultural, tendo aprendido em sua infância piano, pintura, inglês, francês, italiano, bem como demonstrado grande interesse nas artes em geral, especialmente no teatro, e posteriormente também se tornado bailarino, é natural que o seu processo criativo abarque todas essas linguagens, o que é facilmente detectado em seus espetáculos e no seu modo de dirigir.
        Sempre exigente mas também extremamente generoso, requer dos seus atores uma entrega profunda no fazer teatral, para ele não há uma dissociação entre a vida e o teatro, razão pela qual esta sempre procurando tirar o que há de melhor e mais verdadeiro dos atores com quem trabalha.
          Assim, o que se pôde perceber nas observações do grupo ATA, tendo em vista que se encontravam, no atual momento, em busca de material para um futuro espetáculo mas sem ainda um tema ou texto definido, é que havia um tratamento direcionado ao corpo dos atores nos improvisos, com o objetivo de cada vez mais eliminar bloqueios físicos e psicológicos.
         Na entrevista realizada com o grupo e também em algumas conversas com o diretor pudemos perceber a influência em seu processo criativo de alguns encenadores que se dedicaram ao estudo do trabalho corporal na formação do ator nesta mesma direção, tais como Antonin Artaud, Eugenio Barga, Grotowski e Peter Brook.
          No entanto, não há uma regra e nem uma única forma de se realizar teatro para Hugo Rodas, como sua formação foi plural, assim também é o seu processo criativo e assim também devem ser seus atores.
       Todos eles tocam algum instrumento musical, quase todos cantam e possuem uma ótima preparação corporal, a fim de que possam corresponder às expectativas e exigências de seu diretor.
         O que se observou, ainda, na forma como conduzia os improvisos é que Hugo Rodas trabalha bastante com a chamada “via negativa”, do qual Artaud e Grotowski são importantes ícones, que critica a racionalização do pensamento e das práticas corporais previamente construídas.
       Para Marcel Mauss (1974) técnicas corporais são as maneiras que as sociedades tradicionais ocidentais se servem de seus corpos. Ele acredita que a educação fundamental de todas essas técnicas consiste em fazer adaptar o corpo a modos específicos de comportamento e de autocontrole.
        Para Artaud, é justamente este tipo de conduta corporal controlada e resistente às emoções das sociedades civilizadas que bloqueiam o processo de criação teatral.
Assim, a via negativa no teatro parte do princípio de que a expressividade corporal do ator é enfraquecida pelos processos de socialização dos indivíduos.
         A provocação que é feita aos atores por Hugo não é “como se faz isso?” E sim, “ isso não serve para mim...” porque é uma via fácil que leva a criação de estereótipos e clichês.
Para Hugo o ator precisa estar sempre inteiro em cena, e para isso ele deve ser capaz de mapear seus bloqueios e se tornar apto a eliminá-los. Assim os improvisos são utilizados para que o ator (com o auxílio do diretor e de seus colegas) possa descobrir aquilo que o impede de estar completamente empenhado, com seu corpo, voz e mente em uma determinada ação.
       Ou seja, descobrir aquilo que o impede de concretizar o Ato Total, que segundo Grotowski:

É algo muito difícil de definir, embora seja bastante tangível do ponto de vista do trabalho o ato de desnudar-se, de rasgar a máscara diária, da exteriorização do eu [...] O ator deve estar preparado para ser absolutamente sincero como um degrau para o ápice do organismo do ator, na qual a consciência e o instinto estejam unidos.
(Grotowski, 1992, p. 180).


          Por fim, durante quase todos os exercícios de improviso propostos por Hugo aos atores, também era recorrente serem realizados numa diagonal da sala de ensaios, utilizando-se um objeto tal qual uma cadeira ou o próprio instrumento musical pertencente a cada ator.
         Essa diagonal era quase sempre repetida, com comandos de tempo e ritmos diferentes, bem como novas possibilidades para os objetos, que se re-significavam a cada nova diagonal feita, bem como utilizando-se os atores de textos já interpretados em outros espetáculos ou trazidos para o ensaio a pedido do diretor.
           Tal exercício nos pareceu ser uma partitura corporoal, que na contemporaneidade das técnicas de composição da dramaturgia do movimento, pode ser entendida como um instrumento do ator que funciona como um esquema objetivo e diretivo criado a partir de referenciais e pontos de apoio para a elaboração da complexa relação existente entre a dramaturgia do corpo e a composição da cena.
              Segundo Patrice Pavis, a partitura preparatória seria o recolhimento e a fixação de materiais trazidos pelo ator que ao longo dos ensaios são remodelados e re-significados a partir do olhar do diretor, gerando a partitura terminal.
             Já para Eugênio Barba, o termo partitura, quando aplicado ao trabalho do ator, indica uma coerência orgânica. E é a organicidade que torna a “ação real”, ou seja, ela garante o fato de a ação existir respeitando princípios pré-expressivos que convertem o corpo do ator em um “corpo-em-vida”.
                O que se observou, portanto, é que o improviso é uma técnica muito utilizada por Hugo Rodas no seu processo criativo, com o objetivo de conhecer seus atores, perceber qual material eles podem lhe oferecer, provocar novas possibilidades de construção de cenas, bem como para desconstruir bloqueios e resoluções já prontas em seus atores.


Bibliografia:

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993;
ARTAUD, Antonin. Linguagem e vida. São Paulo: Perspectiva, 2003;
BARBA, Eugenio. A canoa de papel. Tratado de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec, 1994;
BARBA, Eugenio e SAVARE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas: Hucitec, 1995;
BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Vozes, 1970;
GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca do Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
MAUSS, Marcel. “As técnicas corporais ”: Sociologia e antropologia, vol. II. São Paulo: Epu, 1974
MEYERHOLD, Usevolod. O teatro de Meyerhold . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969
PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003



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