Processo Criativo da ATA
Eixo Musicalidade - Orquestra que conta histórias
Na sua formação artística e
carreira além de pianista e ator Hugo Rodas também foi dançarino. Integrou grupos
de teatro-dança. Em especial no grupo em que trabalhou com a dançarina uruguaia Graciela Figueiroa exercitou um modo
de produção cooperativo e de pesquisa corporal individual sobre a temática dada.
Como as apresentações desse grupo se davam em espaços não convencionais os
atores-dançarinos eram responsáveis pela invenção do espaço e criação da
atmosfera cênica, falando, cantando, dançando ou tocando instrumentos musicais (SOUZA,
2007, p. 56). Essa prática de se iniciar um espetáculo com música e ou uma
coreografia enquanto o público adentra o teatro, ou num espaço ao ar livre a
fim de chamar a atenção e delimitar o espaço de apresentação é muito presente
nos espetáculos de Hugo Rodas.
Tradicionalmente a música instrumental é usada como abertura tanto
numa ópera, sendo tocada por uma orquestra, quanto num espetáculo circense
tocada por uma fanfarra, fazendo uma preparação, criando uma ambientação para o
que virá a seguir: uma cena dramática ou uma cena cômica por exemplo. Segundo
CHAVES (2011), numa montagem teatral a escolha dos instrumentos é feita de
acordo com o ambiente onde se apresenta. Para o teatro de rua há a preferência
pelo uso da gaita (de oito baixos por sua intensidade sonora e peso do
instrumento) ao acordeom pela facilidade de carregar. Instrumentos leves de
percussão e violino também são bastante usados.
Na ATA os atores que foram
observados tocam gaita, violino, violão, contrabaixo, pandeiro, zabumba, acorde
e saxofone. Com exceção dos que já possuem formação musical, os atores se
encaixam no perfil dos atores-músicos pois ainda se encontram em formação como
músicos.
Em dois espetáculos
assistidos: "Punaré e Baraúna"
(ao vivo) e "Ensaio Geral" (pelo
You Tube) há a presença de músicos
convidados para executar a trilha sonora criada junto com os atores. Esses
espetáculos iniciam suas narrativas com uma música de abertura (Abertura - Peça
musical destinada a anteceder uma ópera, uma suíte ou sinfonia), a música de
apresentação da ATA . Uma canção onde todos os atores e músicos cantam e dançam
criando uma identificação de grupo que se denomina "Orquestra que conta estórias".
Perguntado aos atores o porquê de orquestra, um deles respondeu que escolheram
o termo orquestra mas o significado é mais no sentido de fanfarra, de tocar e vibrar
em conjunto. Nessas duas montagens fica claro o uso da música como recurso de
ligações entre as cenas tornando os espetáculos fluidos sem separações de cena
marcadas. Em um das cenas de "Punaré
e Baraúna" em que mãe e filha dialogam: a mãe canta um recitativo, em
seguida a filha responde falando e emenda uma canção que é cantada pelos atores
como um coro deslocando o foco da cena.
A música em muitos momentos não é apenas um fundo musical mas
funciona como um "intermezzo"(Trecho instrumental, tocado entre os
atos de uma ópera ou entre as partes de um drama).Hugo
compõe suas cenas junto com os atores equilibrando dois ingredientes básicos da
forma musical: repetição e contraste. Segundo Bennett: "É necessária
alguma repetição das ideias musicais para dar certa unidade à peça" (BENNETT,
1986).
Ao analisar um exercício de
improvisação realizado pelos atores Hugo Rodas diz: "Prefiro a repetição
porque dá a claridade da personagem. Se
eu faço coisas de mais mostro muitos personagens". Ele cria partituras de
ações físicas como se escrevesse música. Valoriza bastante as pausas
(congelamentos e silêncios) entre os movimentos, falas e canções dos atores.
Utiliza-se bastante de contrastes musicais como: mudanças repentinas de
caráter (passa de um movimento triste ou
pesado, acompanhado por uma música, para um movimento vibrante, leve por
exemplo).
Numa mesma música está sempre
mudando o andamento (acelerando e desacelerando), variando a dinâmica (sons
fortes e fracos), textura e timbre (ou colorido instrumental). Tudo num jogo de
criações de tensões e relaxamentos. Por sua percepção auditiva apurada, advinda
de sua experiência musical, Hugo analisa cada fala e canto de seus atores e exige
um grau de refinamento na interpretação. Mais de uma vez chamou a atenção de
seus atores para um erro muito comum que é perder a energia da emissão vocal
quando se pede para diminuir o volume da sonoridade da fala ou canção. E chegou
a usar expressões redundantes como: "isso é música cantada" ao
explicar para uma atriz que não queria que ela cantasse de forma marcada cada
nota.
Referência:
Bennett, Roy - Forma e estrutura na música : tradução
Luiz Carlos Cseko; revisão técnica Luiz Paulo Horta - Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1986.
Chaves, Marcos
Machado - A trilha sonora teatral em pauta: Experiências de criadores de
trilha sonora em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Instituto de
Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Porto Alegre, 2011, 103f.
Souza, Claúdia Moreira - O garoto de Juan Lacaze:
Invenção no teatro de Hugo Rodas. Brasília: Instituto de Artes, UnB, 2007, 212f.
Eixo: Musicalidade - Trilha sonora e preparação vocal
Uma das funções que
a música tem nos espetáculos teatrais ou performáticos é a de ser trilha
sonora. Em alguns processos criativos, como o do grupo ATA , a música como o
movimento e a voz falada do ator, é geradora do próprio espetáculo e pode
muitas vezes ir definindo as estéticas e narrativas do mesmo. O conceito do que
vem a ser trilha sonora não é fechado. O
pesquisador Chaves (2011), conceitua trilha sonora como tudo que se escuta no
teatro, todas as sonoridades presentes, incluindo até o barulho, ruído do andar
dos atores no palco, e especifica como Trilha Sonora Total quando abarca todos
os sons do espetáculo e Trilha Sonora Musical quando se refere às músicas de
cena na montagem teatral.
Há inúmeras formas
de se trabalhar / criar uma trilha sonora total e mais especificamente uma
trilha musical num espetáculo teatral. Uma delas seria a pesquisa investigativa
com a criação, por encomenda, por um compositor em separado, a partir de um
tema sugerido (guerra, pobreza, ostentação por exemplo), referências de
personagens (cômico, dramático e outros), como inspiração às sonoridades. Outra
forma seria a criação colaborativa com os atores, compositor e elementos
cênicos durante o processo criativo, com o uso da improvisação principalmente,
sem centralizar a criação numa pessoa só.
O uso de músicas
prontas (não originais) em trilhas sonoras gera controvérsias porque estas
músicas possuem históricos e identidades culturais. E esta identidade pode
mudar de acordo com a região onde a montagem teatral ou performance é
apresentada. As músicas são feitas de signos e a ela são agregados significados
de maneira imprevisível. O boicote que a Orquestra Filarmônica de Israel, uma
das mais conceituadas orquestras no mundo, fez com o repertório de compositores que apoiaram ou foram usados
pelo regime nazista é um exemplo.
Para a criação de
uma trilha total ou musical seja ela isoladamente por um compositor ou em
processo colaborativo vai ser exigido um conhecimento prévio sobre as
possibilidades de expressão vocal, percepção auditiva e execução instrumental
dos atores. Segundo Chaves (2011), a técnica e a capacidade de criação estão
diretamente relacionadas ao improviso. Quando o artista tem mais repertório e
conhecimento sobre o instrumento que toca, mais possibilidades de escolhas ele
tem no momento de improvisar. Para ele o ator ao cantar ou tocar algum
instrumento, não precisaria ser um exímio músico, bastaria aprender a executar
a música de cena ou sonoridade pedida para aquela montagem. Há nesta afirmação
uma evidência da procura de soluções rápidas para uma deficiência na formação
dos atores quanto ao conhecimento ao respeito da sua própria voz e falta de
treinamento vocal/instrumental. De acordo com Davini (2007 apud Chaves, 2011) ,
pós-doutora em Teatro pela Universidade de Londres e ex-professora da Universidade
de Brasília, a falta de preparação vocal, faz com que os atores sofram de
"ansiedade vocal" quando exigidos vocalmente a repetir pequenos
trechos melódicos ou rítmicos. O que não deveria acontecer pois já quando se
trabalha um texto, estão trabalhando entonação (também existe melodia na fala),
aceleramentos e desaceleramentos (variações de velocidade no ritmo da fala). DAVINI
(idem), condena a influência da separação entre corpo e mente que advém da
concepção cartesiana. Para ela: " a
voz é o artista e o som deve ser resultado de uma emissão corporal, de uma
vivência corporal com suas virtudes e deficiências" (DAVINI, 2007, p. 85 tradução CHAVES, 2011, p.
74 ).
Há diferenças de
projeção vocal para espaços abertos e fechados. Berry (1993), preparadora vocal do The Royal
Shakespeare Company, diz que o conhecimento que o ator tem das características
de sua voz gera auto confiança e: reflete na criação de sonoridades; na
resposta às necessidades do espetáculo quanto ao palco e na construção da
personagem. Ela aponta quatro fatores que condicionam a voz: ambiente,
percepção auditiva, agilidade física e personalidade. Para ela:" a nossa
voz é uma mistura do que eu ouço, como ouço e como elejo usar tudo que ouço à
luz da minha experiência e personalidade" (BERRY, 1993 apud DAVINI, 2007,p.
60 tradução CHAVES, 2011).
O compositor de
trilhas sonoras Oliveira (2010 apud CHAVES,2011) afirma que uma dificuldade
extra de se cantar em cena é a ausência do registro tonal. Como acertar o tom
sem um apoio harmônico? Se para um músico experiente isso é sempre um desafio,
imagine para um ator - músico. "Não precisa cantar como um cantor de ópera
e sim' cantar como um ator que canta' "(OLIVEIRA, 2010 apud CHAVES, 2011, p.
76 ). Uma visão equivocada pois o preparo e o domínio que o cantor de ópera
precisa ter do seu aparelho vocal, de todo o seu corpo, caixa de ressonância,lhe
possibilita usar toda a sua extensão vocal como um bailarino que se estende ao
máximo mas com qualidade de movimento; e variar a intensidade da emissão usando
todas as caixas de ressonância ou não, misturando os chamados de registro de
cabeça e de peito por exemplo, como um atleta que pratica saltos à distância. Este
tem que fazer uma força propulsora para saltar e deixar o corpo liberado para alcançar uma maior amplitude no
salto. Muitos espaços usados para a cena
não são adequados fisicamente para uma boa projeção da voz falada e voz cantada
sejam eles espaços abertos ou fechados. Pode haver muita reverberação ou muito
pouca. Isso pode ocasionar um desgaste vocal nos cantores se eles não tiverem
consciência dos seus limites vocais e da otimização de suas emissões.
CHAVES (2011),
ressalta que uma apropriação dos signos musicais às vezes se faz necessária
numa obra vocal ou instrumental que se pretende executar e para isso é preciso
o treinamento e desenvolvimento das habilidades exigidas. A figura de um
preparador vocal / musical é então primordial para o aprimoramento técnico na
execução vocal / instrumental e da escuta dos atores. O preparador e diretor
musical do Grupo Galpão de M.G. Ernani Maletta diz:
[...]a execução dos diversos arranjos vocais é
exercício usual para a continuidade de sua formação artística não apenas por
alimentar a sensibilidade dos atores no que diz respeito ao seu ouvido musical
e ao canto, mas, também, por permitir que eles se habituem a conviver com as
várias vozes que a encenação exige, ampliando a sua capacidade de escuta cênica.
(MALETTA, 2009, p. 30 apud CHAVES, 2011).
O trabalho com o
canto coral é uma alternativa, tanto no
treinamento de atores para uma iniciação musical, com aprendizado de notação
musical, exercícios de respiração e aquecimento vocal para o canto e outros e aprimoramento
do ator-cantor. Por ser uma atividade que é feita em conjunto, além de todos os
benefícios citados acima, do ponto de vista econômico não demanda um
investimento tão alto quanto um ator iniciante pagar aulas particulares de
canto ou preparação vocal.
Referência:
Chaves, Marcos
Machado - A trilha sonora teatral em pauta: Experiências de criadores de
trilha sonora em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Instituto de
Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Porto Alegre, 2011, 103f.
Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/31780
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