sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

     
                                             Processo Criativo da ATA



Eixo Musicalidade - Orquestra que conta histórias

 Na sua formação artística e carreira além de pianista e ator Hugo Rodas também foi dançarino. Integrou grupos de teatro-dança. Em especial no grupo em que trabalhou com a dançarina  uruguaia Graciela Figueiroa exercitou um modo de produção cooperativo e de pesquisa corporal individual sobre a temática dada. Como as apresentações desse grupo se davam em espaços não convencionais os atores-dançarinos eram responsáveis pela invenção do espaço e criação da atmosfera cênica, falando, cantando, dançando ou tocando instrumentos musicais (SOUZA, 2007, p. 56). Essa prática de se iniciar um espetáculo com música e ou uma coreografia enquanto o público adentra o teatro, ou num espaço ao ar livre a fim de chamar a atenção e delimitar o espaço de apresentação é muito presente nos espetáculos de Hugo Rodas. 
 
Tradicionalmente a música instrumental é usada como abertura tanto numa ópera, sendo tocada por uma orquestra, quanto num espetáculo circense tocada por uma fanfarra, fazendo uma preparação, criando uma ambientação para o que virá a seguir: uma cena dramática ou uma cena cômica por exemplo. Segundo CHAVES (2011), numa montagem teatral a escolha dos instrumentos é feita de acordo com o ambiente onde se apresenta. Para o teatro de rua há a preferência pelo uso da gaita (de oito baixos por sua intensidade sonora e peso do instrumento) ao acordeom pela facilidade de carregar. Instrumentos leves de percussão e violino também são bastante usados.

Na ATA os  atores que foram observados tocam gaita, violino, violão, contrabaixo, pandeiro, zabumba, acorde e saxofone. Com exceção dos que já possuem formação musical, os atores se encaixam no perfil dos atores-músicos pois ainda se encontram em formação como músicos.

 Em dois espetáculos assistidos: "Punaré e Baraúna" (ao vivo) e "Ensaio Geral" (pelo You Tube) há a presença de músicos convidados para  executar a trilha  sonora criada junto com os atores. Esses espetáculos iniciam suas narrativas com uma música de abertura (Abertura - Peça musical destinada a anteceder uma ópera, uma suíte ou sinfonia), a música de apresentação da ATA . Uma canção onde todos os atores e músicos cantam e dançam criando uma identificação de grupo que se denomina  "Orquestra que conta estórias". Perguntado aos atores o porquê de orquestra, um deles respondeu que escolheram o termo orquestra mas o significado é mais no sentido de fanfarra, de tocar e vibrar em conjunto. Nessas duas montagens fica claro o uso da música como recurso de ligações entre as cenas tornando os espetáculos fluidos sem separações de cena marcadas. Em um das cenas de "Punaré e Baraúna" em que mãe e filha dialogam: a mãe canta um recitativo, em seguida a filha responde falando e emenda uma canção que é cantada pelos atores como um coro deslocando o foco da cena. 
 
A música em muitos momentos não é apenas um fundo musical mas funciona como um "intermezzo"(Trecho instrumental, tocado entre os atos de uma ópera ou entre as partes de um drama).Hugo compõe suas cenas junto com os atores equilibrando dois ingredientes básicos da forma musical: repetição e contraste. Segundo Bennett: "É necessária alguma repetição das ideias musicais para dar certa unidade à peça" (BENNETT, 1986).

            Ao analisar um exercício de improvisação realizado pelos atores Hugo Rodas diz: "Prefiro a repetição porque dá a  claridade da personagem. Se eu faço coisas de mais mostro muitos personagens". Ele cria partituras de ações físicas como se escrevesse música. Valoriza bastante as pausas (congelamentos e silêncios) entre os movimentos, falas e canções dos atores. Utiliza-se bastante de contrastes musicais como: mudanças repentinas de caráter  (passa de um movimento triste ou pesado, acompanhado por uma música, para um movimento vibrante, leve por exemplo).

            Numa mesma música está sempre mudando o andamento (acelerando e desacelerando), variando a dinâmica (sons fortes e fracos), textura e timbre (ou colorido instrumental). Tudo num jogo de criações de tensões e relaxamentos. Por sua percepção auditiva apurada, advinda de sua experiência musical, Hugo analisa cada fala e canto de seus atores e exige um grau de refinamento na interpretação. Mais de uma vez chamou a atenção de seus atores para um erro muito comum que é perder a energia da emissão vocal quando se pede para diminuir o volume da sonoridade da fala ou canção. E chegou a usar expressões redundantes como: "isso é música cantada" ao explicar para uma atriz que não queria que ela cantasse de forma marcada cada nota.

 
Referência:

Bennett, Roy - Forma e estrutura na música : tradução Luiz Carlos Cseko; revisão técnica Luiz Paulo Horta - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.

Chaves, Marcos  Machado - A trilha sonora teatral em pauta: Experiências de criadores de trilha sonora em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Porto Alegre, 2011, 103f.

Souza, Claúdia Moreira - O garoto de Juan Lacaze: Invenção no teatro de Hugo Rodas. Brasília: Instituto de Artes, UnB, 2007, 212f.

 

 
Eixo: Musicalidade - Trilha sonora e preparação vocal          
 

    Uma das funções que a música tem nos espetáculos teatrais ou performáticos é a de ser trilha sonora. Em alguns processos criativos, como o do grupo ATA , a música como o movimento e a voz falada do ator, é geradora do próprio espetáculo e pode muitas vezes ir definindo as estéticas e narrativas do mesmo. O conceito do que vem  a ser trilha sonora não é fechado. O pesquisador Chaves (2011), conceitua trilha sonora como tudo que se escuta no teatro, todas as sonoridades presentes, incluindo até o barulho, ruído do andar dos atores no palco, e especifica como Trilha Sonora Total quando abarca todos os sons do espetáculo e Trilha Sonora Musical quando se refere às músicas de cena na montagem teatral.

    Há inúmeras formas de se trabalhar / criar uma trilha sonora total e mais especificamente uma trilha musical num espetáculo teatral. Uma delas seria a pesquisa investigativa com a criação, por encomenda, por um compositor em separado, a partir de um tema sugerido (guerra, pobreza, ostentação por exemplo), referências de personagens (cômico, dramático e outros), como inspiração às sonoridades. Outra forma seria a criação colaborativa com os atores, compositor e elementos cênicos durante o processo criativo, com o uso da improvisação principalmente, sem centralizar a criação numa pessoa só. 

    O uso de músicas prontas (não originais) em trilhas sonoras gera controvérsias porque estas músicas possuem históricos e identidades culturais. E esta identidade pode mudar de acordo com a região onde a montagem teatral ou performance é apresentada. As músicas são feitas de signos e a ela são agregados significados de maneira imprevisível. O boicote que a Orquestra Filarmônica de Israel, uma das mais conceituadas orquestras no mundo, fez com o repertório  de compositores que apoiaram ou foram usados pelo regime nazista é um exemplo.

    Para a criação de uma trilha total ou musical seja ela isoladamente por um compositor ou em processo colaborativo vai ser exigido um conhecimento prévio sobre as possibilidades de expressão vocal, percepção auditiva e execução instrumental dos atores. Segundo Chaves (2011), a técnica e a capacidade de criação estão diretamente relacionadas ao improviso. Quando o artista tem mais repertório e conhecimento sobre o instrumento que toca, mais possibilidades de escolhas ele tem no momento de improvisar. Para ele o ator ao cantar ou tocar algum instrumento, não precisaria ser um exímio músico, bastaria aprender a executar a música de cena ou sonoridade pedida para aquela montagem. Há nesta afirmação uma evidência da procura de soluções rápidas para uma deficiência na formação dos atores quanto ao conhecimento ao respeito da sua própria voz e falta de treinamento vocal/instrumental. De acordo com Davini (2007 apud Chaves, 2011) , pós-doutora em Teatro pela Universidade de Londres e ex-professora da Universidade de Brasília, a falta de preparação vocal, faz com que os atores sofram de "ansiedade vocal" quando exigidos vocalmente a repetir pequenos trechos melódicos ou rítmicos. O que não deveria acontecer pois já quando se trabalha um texto, estão trabalhando entonação (também existe melodia na fala), aceleramentos e desaceleramentos (variações de velocidade no ritmo da fala). DAVINI (idem), condena a influência da separação entre corpo e mente que advém da concepção cartesiana. Para ela: " a voz é o artista e o som deve ser resultado de uma emissão corporal, de uma vivência corporal com suas virtudes e deficiências"  (DAVINI, 2007, p. 85 tradução CHAVES, 2011, p. 74 ).

    Há diferenças de projeção vocal para espaços abertos e fechados.  Berry (1993), preparadora vocal do The Royal Shakespeare Company, diz que o conhecimento que o ator tem das características de sua voz gera auto confiança e: reflete na criação de sonoridades; na resposta às necessidades do espetáculo quanto ao palco e na construção da personagem. Ela aponta quatro fatores que condicionam a voz: ambiente, percepção auditiva, agilidade física e personalidade. Para ela:" a nossa voz é uma mistura do que eu ouço, como ouço e como elejo usar tudo que ouço à luz da minha experiência e personalidade" (BERRY, 1993 apud DAVINI, 2007,p. 60 tradução CHAVES, 2011).

    O compositor de trilhas sonoras Oliveira (2010 apud CHAVES,2011) afirma que uma dificuldade extra de se cantar em cena é a ausência do registro tonal. Como acertar o tom sem um apoio harmônico? Se para um músico experiente isso é sempre um desafio, imagine para um ator - músico. "Não precisa cantar como um cantor de ópera e sim' cantar como um ator que canta' "(OLIVEIRA, 2010 apud CHAVES, 2011, p. 76 ). Uma visão equivocada pois o preparo e o domínio que o cantor de ópera precisa ter do seu aparelho vocal, de todo o seu corpo, caixa de ressonância,lhe possibilita usar toda a sua extensão vocal como um bailarino que se estende ao máximo mas com qualidade de movimento; e variar a intensidade da emissão usando todas as caixas de ressonância ou não, misturando os chamados de registro de cabeça e de peito por exemplo, como um atleta que pratica saltos à distância. Este tem que fazer uma força propulsora para saltar e deixar o corpo  liberado para alcançar uma maior amplitude no  salto. Muitos espaços usados para a cena não são adequados fisicamente para uma boa projeção da voz falada e voz cantada sejam eles espaços abertos ou fechados. Pode haver muita reverberação ou muito pouca. Isso pode ocasionar um desgaste vocal nos cantores se eles não tiverem consciência dos seus limites vocais e da otimização de suas emissões.

     CHAVES (2011), ressalta que uma apropriação dos signos musicais às vezes se faz necessária numa obra vocal ou instrumental que se pretende executar e para isso é preciso o treinamento e desenvolvimento das habilidades exigidas. A figura de um preparador vocal / musical é então primordial para o aprimoramento técnico na execução vocal / instrumental e da escuta dos atores. O preparador e diretor musical do Grupo Galpão de M.G. Ernani Maletta diz:

 [...]a execução dos diversos arranjos vocais é exercício usual para a continuidade de sua formação artística não apenas por alimentar a sensibilidade dos atores no que diz respeito ao seu ouvido musical e ao canto, mas, também, por permitir que eles se habituem a conviver com as várias vozes que a encenação exige, ampliando a sua capacidade de escuta cênica. (MALETTA, 2009, p. 30 apud CHAVES, 2011).

     O trabalho com o canto coral é uma alternativa,  tanto no treinamento de atores para uma iniciação musical, com aprendizado de notação musical, exercícios de respiração e aquecimento vocal para o canto e outros e aprimoramento do ator-cantor. Por ser uma atividade que é feita em conjunto, além de todos os benefícios citados acima, do ponto de vista econômico não demanda um investimento tão alto quanto um ator iniciante pagar aulas particulares de canto ou preparação vocal.

  

Referência:
Chaves, Marcos  Machado - A trilha sonora teatral em pauta: Experiências de criadores de trilha sonora em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado)-UFRGS, Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Porto Alegre, 2011, 103f. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/31780

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